quinta-feira, 30 de novembro de 2017

Ninguém me ouve: “Não gosto de ir a escola!”

Ninguém me ouve: “Não gosto de ir a escola!” 


À Nília os pais ouviram.

Parte 1

Quando era criança eu não gostava de ir a escola. Detestava a sala de aulas, o professor, mas adorava os intervalos e de brincar aos nove vezes nove oitenta e um sete macacos e tu és um. Todos queríamos ser os primeiros a responder a tabuada dos nove. A minha irmã Nília detestava tudo na escola, incluindo os intervalos e a tabuada dos nove. "A filha do Administrador é parva! Vem um carrão só para lhe trazer o lanche e diz que eu sou branca de segunda". Para a Nília, a Nélia, a Irmã mais velha era uma heroína porque tinha fechado a filha do Administrador na casa de banho e deu-lhe a pancada que pôde. Pelos vistos várias colegas estavam de acordo , porque a Professora Valentina, sua incondicional protectora, nunca soube do assunto da casa de banho. Éramos cinco filhos. O último, para frustração de meu pai, era rapaz. Por ele seria o primeiro ou, na pior das hipóteses, o segundo. Acabou não havendo grande problema para ele: rapaz ou rapariga, os trabalhos daquela machamba não conheciam essa coisa de que se veio a falar muito mais tarde: Género! Tirar leite começava aos 8, 9 anos, ajudar a procurar a vaca perdida não tinha idade, desde que minha mãe se juntasse e encher cangarras de repolho para o comboio levar para Nampula era brincadeira que quem quer que se juntasse era bem-vindo para o meu pai. Meu pai, Gilberto, e minha mãe, Nívia, tinham sempre voluntários para fechar o dia de trabalho. Eu, com 3 ou 4 anos , no colo do meu pai, e a Nília, que não era de colos, segurávamos os pauzinhos para bater em cada vaca que passasse a porta do curral, enquanto fazíamos eco da contagem. O Gilberto e a Octávia, os mais novos e inseparáveis até hoje, gostavam mais de apoiar a minha mãe a fechar as galinhas e colher os ovos do dia, e a Nélia, a mais velha, sempre de rádio ao pé do ouvido, ia adiantando a janta até minha mãe chegar, ou, mais tarde, quem estivesse de serviço de cozinha nessa semana. Depois de fechar o gado era a nossa brincadeira com pai e mãe no jogo. Olhando para trás, com olhos húmidos, vejo como essa hora era tão natural para nós, como o sentar à mesa e comermos juntos todas as refeições. Meus pais, magicamente, tornavam-se da nossa idade. Meu pai apitava como o comboio porque era a primeira carruagem e minha mãe era árbitro porque era muito gorda para correr nas nossas equipas. Até tínhamos taças para os nossos campeonatos: a mãe Nívia tinha a paciência de decorar uma goiaba grande e aí estava a taça! Tínhamos medalhas de sisal e folhas de bananeira recortada. O vencedor era vencedor! Nada de palermices de que ganhamos todos! Nada! Dava direito a língua de fora e tudo! O Medeiros (como chamamos a meu pai) jogava uma parte numa equipa e a outra parte na equipa contrária. Portanto não havia desculpas! Perdeste? Faz melhor para a próxima e pronto! Nem sempre acabava tudo desportivamente, mas isso já não era assunto para pais, naquela machamba. Não me lembro de alguma vez, enquanto crianças, termos mediador na gestão dos nossos conflitos! Não é verdade: tivemos sermão sério, quando descobriram que lhes estávamos a esconder a ferida que a Nília fizera na cabeça ao cair do fio de acrobata de circo que, neste caso, era a corda de pendurar a roupa. Alguém a tinha desafiado, mas ninguém soube quem!!! E depois, às escondidas, lá íamos tratando a ferida e escondê-la como os carecas fazem com o cabelo que devia (mas não está) ali.Éramos cinco filhos de pais iliteratos, estatísticas diriam. Minha mãe tinha a terceira classe e meu pai fez a quarta quando precisou da carta de condução. Porém livros não faltavam em nossa casa. Nessa altura- década cinquenta e princípio de sessenta, havia vendedores ambulantes que corriam o país, com malas com livros. Meus pais, sem dinheiro para sapatos dos filhos, sempre compravam alguns livros e a colecção inteira do Reader's Digest, que nós digeríamos num instante.Meu pai adorava atlas, histórias do Egipto, da Mesopotâmia, dos Judeus conquistando terra ao deserto para fazerem os seus kibbutz.  Lia biografias com avidez de criança ;e chamava minha mãe para compartilharem leituras da Segunda guerra mundial. Claro que depois tínhamos "estórias" que eram feitas de história e geografia e de coisas estranhas que sábios tinham descoberto- a história da gravidade devo te la ouvido e experimentado aos cinco seis anos! Nós éramos cinco filhos de autodidatas! Não há categoria como essa nas estatísticas de educação de um povo. Deve ser porque os que desenham as estatísticas são todos educados e não sabem como medir autodidatismo. Deve ser mesmo isso ou então porque são ignorantes- melhor hipótese ainda.

Zita

sábado, 18 de novembro de 2017

MÃE

Nivia
Nem sei quantos anos passaram porque de qualquer maneira foi só ontem que partiste . Para onde não sei: das muitas notíciasmas nunca pões o endereço . Mesmo assim nos falamos contigo a qualquer momento usando tecnologias que so o coração conhece. Mas falamos e ainda ontem me puseste a gargalhada: estava a deitar no lixo um pão cansado de esperar para ser comido. O meu gesto foi interrompido por ti e eu ouvi- me a dizer”Que Deus me perdoe” e era a tua voz quando se deitava comida fora que outras bocas podiam usar. Escangalhei de rir ali mesmo e ficamos juntas por muito tempo e bem dispostas. Telefonei a Tavinha e voltaste a estar connosco. Mas endereco da D Nivia? Nada! Ela mantém em segredo. Não vá este mercado sem éticas mandar lhe correspondência de comidas para as galinhas. Esta bem, Nivia , a gente entende: desde que a gente se continue comunicando, esta tudo bem. Às vezes ‘e tipo Skype em que posso ver o teu rosto doce, de linhas tão suaves que desafiam o tempo a passar; outras vezes ainda ‘e melhor que Skype porque a tua ternura imensa me envolve e só me distraio com as tuas unhas secas sempre a precisar duma boa manicure. Essas mãos que mexeram tanta massa para o nosso pão do dia a dia! E ainda rezávamos (depois deixa-mo-Nos disso) “obrigado meu Deus pelo pão que nos das hoje! “ Tretas! O Deus eras tu que fazia do pão ao doce ao chouriço aos vestidos novos dos natais preparados com semanas de antecedência: levava tempo tirar a prata do papel dos pacotes de cigarros para os transformar em estrelinhas da Árvore de Natal, que nunca, nunca faltou.
Não sei do teu endereço , mãe. Mas não preciso dele, porque para onde eu vou, tu vais comigo sempre.Espero que o Medeiros já tenha a resposta à pergunta que me fazia muitas vezes:”achas k a gente , quando no outro lado se pode abraçar? “ A primeira vez pensei que estava a pirar, depois vi que não, aquilo era o filosofar do velhote a pensar se te podia abraçar ai por onde vocês andam. Que pena não poderem mandar um selfie para a gente ver. Já agora eu também ficava a saber...
Bom, Maezinha, hoje fico me por aqui. Se eu fosse mais pequenina rezava as três Ave Marias para dormir bem, sem a língua do diabo a lamber me as bochechas. Mas agora os diabos e os deuses desapareceram e inda bem. Ficou antes esta imensidão do Universo em que cabemos muitos, até as vacas do Medeiros, os embondeiros de Meponda, os Ajauas um pouco longe dos Changanes e os Cataloes a léguas dos espanhóis, mas todos no mesmo Universo. E tu e nos, os teus filhos, os teus netos e bisnetos esta tudo pegado a tua saia a pedir esse colo ternurento que nos aquece a todos ainda hoje. Vou dormir Mãe. Boa Noite! Até amanhã.
Zita

MÂE

Dança da Kaylita para
a Bisa (Espectáculo de
encerramento do Ano
lectivo do Instituto Nilia)

MÃE